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quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Feliz tudo de bom



Por Olneyzinho São Paulo
Pronto. Quatro ou quatro e meia da manhã. Talvez cinco.
Não. Cinco não. Ainda está escuro e os pavões ainda dormem.
O galo doido parou de cantar. Então são quatro horas. Esse galo canta entre três e quatro horas da manhã.
Não. A coberta esta pesada e gelada. O frio está escorrendo pelas telhas; então já são quatro e meia.
Quatro e meia é a hora da geada. Parece que arranha o osso da gente. Não tem coberta que chegue. Outra noite de frio e chuva.
A noite foi agitada de zoada. Uns dizem que são os espíritos dos índios que vêm nos visitar durante a noite. Eu não sei. Penso mais nos pavões, mas pode ser mesmo os espíritos dos índios.Essa caatinga tem é coisa. Coisa que até deus duvida.
Ontem pela manhã, meu compadre Pedro levou seu cavalo para exposição na Bahia. Fiquei aqui na roça dele com o novo vaqueiro. O outro foi com ele montar o cavalo na exposição.
Fui então buscar outros cavalos que dormiram no pasto rico. A gente chama pasto rico, o cercado de terra que junta com a caatinga. Lá a pastagem é boa, mas não tem água de açude, então tem que descer os cavalos pra dar de beber.
Cavalo bonito é cavalo que bebe.
Na verdade é um cavalo e duas éguas que lá estão.
Vou montado em minha égua. Minha égua é boa de monta e de caatinga. Bastou triscar ela para.
Já uma hora de relógio rodando atrás desses cavalos e nada. O mato na caatinga chega na minha caixa dos peitos mesmo montado em minha égua que não é pequena. Eita égua boa de monta. Nem espinho nem cansanção me pega. Como disse. Bastou triscar na rédea a égua para aí contorno e vou-me embora.
Foram mais de três horas pra trazer esses cavalos do mato. Eu vaqueiro de primeira queda; falo vaqueiro de primeira queda, como marinheiro de primeira viagem. E, pois, assim sou. Com o braço ainda quebrado de uma queda de outra égua vou tentando pegar os cavalos. Me embrenhado pela caatinga.
Posso ficar o resto da vida aqui que nem noto que a vida passou. E parece que no mato a vida não passa, mas vive. É isso na caatinga a vida não passa. Vive. E cavalo perdido no mato, basta pegar um que os outros seguem. Mas terminei me perdendo na caatinga de meu compadre. E com o Sol castigando e por volta das dez ou onze horas terminei chegando com os cavalos.
Terminei chegando com cinco e não três, pois não podendo descer da égua por causa de meu braço quebrado, deixei uma cancela aberta e dois outros cavalos terminaram fugindo pro pasto.
A caatinga esta tão alta que me perdi no rumo. Não via horizonte de cerca pra me guiar.  Perdido na caatinga em cima de cavalo pode parecer coisa de vaqueiro de primeira queda, mas não.
Qualquer outro cristão se perdia nesse mundão de verde alto. Tudo isso é só porque desde o dia dois de abril, não foi nem um nem três nem quatro, foi dois de abril desse ano que chove no sertão.
Do tempo que não me lembrava passar riacho a cavalo. E pois; nesse ano foi. Molhei os pés atravessando riacho montado em cavalo. Foi uma felicidade só. Foi uma fartura só.
Com o sorriso na cara o povo fazia alegria na feira de sábado na cidade do Riachão. E a prosa era sempre a mesma. A chuva. E o verde do sertão.
Seguindo na feira mangando de um que não semeou e perdeu, do outro que não colheu e perdeu o feijão no pé. Do outro que nem semeou nem perdeu, mas alugou o pasto, então, a meu ver, perdeu o viço da vida.
Teve até quem reclamasse, pedindo estiagem pra colheita.
Uns contavam quatorze outros dezoito. Sim. Dezoito anos que não se via tanta água no sertão. E contei somente seis, os seis anos que cá estou em quase definitivo.
Outra feita, há muito, no mercado encontrei meu primo Samuel, que lamentava seis anos de seca, então agora a conta vai pra oito anos.
Mas o que importa é o povo estar esperançoso. Acho que é por isso que chamam aquele bicho de Esperança; porque é verde. E o sertão está verde de fazer gosto. De vez em quando um vermelho aqui e acolá de uma flor de mandacaru.
E pois assim foi até setembro. Até setembro tinha chuva. Os açudes; tudo cheio e o gado viçoso.
Esse causo que conto ocorreu em agosto. Conto só pra lembrar.
Pois depois do dia 15 de setembro deu uma estiagem triste e mais nada caiu do céu. Já estamos em dezembro e nem cheiro de chuva. O mato ficou cinza, a gente só vê um açude aqui outro lá que ainda têm água.
O boi, no pasto de meu primo Humberto Hugo, geme de sede e fome. O sertão parece que voltou a ser o que a gente sempre viu do sertão. O inferno na terra com o diabo sentado rindo reverberando no calor do meio do mato ralo.
Mas não voltou não. Hoje está diferente.
Com o sertão chovendo desde abril o povo se virou todo em esperança, como o bicho Esperança. Esperança de que a chuva volte. Tem até briga de boca na feira dia de sábado, contando o dia e a quantidade da chuva que vai aguar o sertão de novo. Tem até quem fale que se puxasse a água do rio tal para o rio Jacuípe dava pra irrigar e  que se o governo quisesse...
Três meses de estiagem secou tudo. O sertão está todo rachado, mas o sertanejo não racha não. Virou em esperança, como o bicho. Esperança, de um sertão florido de novo. Pois é disso que a gente vive. De esperança como o bicho. Pois é só isso que se tem por aqui.
Ah; já ia esquecendo. Tem calango e pedra também. Mas agora tem Esperança.
Não sei se desejo a chuva em si mesmo ou a esperança da chuva no sertão de cada um de vocês pra que se percam pelos seus próprios matos.
Pois não há nada mais importante, mais bonito na vida, do que se perder nas caatingas floridas de nossas paixões e sonhos mais profundos.
Feliz 2016.

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